quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Senhor das Armas - Parte 1

    Nicolas Cage, encarna um personagem que condensa histórias de diversos traficantes de armas reais.

    O filme “O Senhor das Armas” é narrado em off do início ao fim pelo personagem principal, Yuri Orlov, através de uma lógica imparcial de sua mentalidade, ou seja, ele não toma posições, nem tem grandes crises de consciência, apenas persegue constantemente o lucro desde o momento em que decide adentrar no mercado de venda de armas. A narração irônica começa com essas frases: “Existem mais de 550 milhões de armas de fogo em circulação no mundo. Isso significa uma arma para cada 12 pessoas. A única pergunta é: como armar as outras 11?”. Yuri, portanto, opera sob a lógica do lucro e não tem preocupações quanto aos males que seu comércio ilegal de armas acarreta, inclusive pelo fato de entender que o comércio legalizado leva às mesmas conseqüências. A história de “O Senhor das Armas” é baseada na vida de traficantes de armas, cuja especialização é o mercado da morte e exploração das riquezas dos países subdesenvolvidos, em especial a África, onde o processo de descolonização associado ao fomento de conflitos civis, por parte da indústria armamentista, tem levado diversas áreas do continente a uma condição de miséria e de subdesenvolvimento.
    O longa aborda temáticas do período de intensificação da corrida armamentista na Guerra Fria e do posterior colapso do regime comunista soviético. É apresentado, inclusive, como o armamento construído no período da Guerra Fria foi e tem sido utilizado em conflitos “quentes” nas regiões periféricas do mundo, contribuindo, então, para o subdesenvolvimento e constante violação dos direitos humanos nesses países. A corrida armamentista estabelecida entre EUA e URSS durante as décadas de 1970 e 1980 produzira um arsenal de combate “adormecido”. E, durante a Guerra Fria, a questão do desarmamento a nível mundial só foi tratada sob o enfoque das armas de destruição em massa e no sentido da contenção nuclear. O desenvolvimento da tecnologia nuclear era um dos principais objetivos na luta pela afirmação do poder entre as potências da Guerra Fria. Assim, o medo de uma hecatombe nuclear por parte da comunidade internacional resultou numa série de acordos para conter a proliferação desse tipo de armamento. No entanto, não havia acordos quanto às armas leves e de pequeno calibre (ALPC). De acordo com Kofi Annan, Secretário da ONU em 1999, “Armas leves e pequenas prejudicaram o desenvolvimento e impediram a segurança humana de todas as formas. Assim, talvez seja pouco provável que outra ferramenta de conflito seja tão espalhada, tão facilmente disponível e tão difícil de restringir que as armas pequenas”.Somente em 1995, uma resolução das Nações Unidas refere-se ao perigo desse tipo de armamento e seu impacto negativo sobre o desenvolvimento dos Estados e na afirmação da segurança internacional. A falta de um código de conduta internacional e a crescente abertura de fronteiras, característica do pós-Guerra Fria, facilitou a ação dos traficantes de armas (representados, no filme, por Yuri), os quais puderam, dessa maneira, fornecer meios para a dominação de Estados por ditadores, grupos terroristas, rebeldes ou guerrilheiros. O tráfico dessas armas fomentou e fomenta situações de guerra, assim como a violência urbana (a estimativa de mortes causadas pelas ALPC é de, aproximadamente, 500 mil ao ano, dos quais 300 mil ocorrem em conflitos armados). O controle do comércio legal de armas esbarra, muitas vezes, no interesse e no direito dos países à autodefesa. Forjar normas e regulamentações para a produção de armamento sempre foi um desafio para os órgãos internacionais, como a ONU (Organização das Nações Unidas), frente à lógica capitalista. Sendo assim, podemos constatar o fato de grande parte das armas utilizadas nos conflitos serem originalmente legais, legalmente adquiridas e, posteriormente, roubadas ou desviadas.
    Entende-se que a África sofre em demasia devido aos muitos conflitos que abriga, e vemos isso no filme pela narração de Yuri: “A África tornara-se o grande mercado dos anos 90: Onze grandes conflitos envolvendo 32 países em menos de uma década. O sonho de um contrabandista de armas.”. Os conflitos sustentados pela disseminação ilícita de armas, como os que ocorrem na África durante esse período e que estão presentes no filme, fazem desaparecer a fronteira entre conflitos armados e criminalidade. Assentam menos na procura de vantagens militares e políticas do que no colapso total dos Estados. Os grupos militares protagonistas voltam-se, portanto, mais ao controle dos recursos naturais e ao seu comércio ou ao controle do tráfico de entorpecentes, tornando a situação de conflito quase permanente, já não podendo mais ser considerada como uma breve interrupção no desenvolvimento dos países. São guerras de longa duração, onde países ditos “em situação de pós-conflito”recaem continuamente em violência social. Essas guerras assemelham-se às formas de “guerra total” e, muitas vezes, os objetivos pretendidos são de curto prazo e centrados no lucro. Os autoproclamados Exércitos de Libertação Nacional, os quais se proliferam no Terceiro Mundo, conduzem esses conflitos “permanentes” e, normalmente, tratam-se de facções armadas oportunistas, sem disciplina militar, sendo freqüentemente responsáveis por graves violações do direito humanitário e dos direitos humanos contra as populações civis, especialmente mulheres e crianças. No filme, Yuri fecha a maior parte dos seus negócios com Andre Baptiste, tendo sido esse personagem baseado no ditador liberiano Charles Taylor, um rebelde que participou do assassinato do ditador Samuel Doe no início dos anos 90 e que, alçado ao poder na Libéria, adotou as mesmas práticas sanguinárias de seu antecessor. Num próximo post, Senhor das Armas - Parte 2, continuará a análise do filme, centrada em dois assuntos que são introduzidos no filme pelo personagem inspirado em Taylor, os quais dizem respeito aos exércitos infantis e, posteriormente, aos chamados “diamantes de sangue”.



 

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