quinta-feira, 28 de junho de 2012

Maria Antonieta: Curtindo a Vida Adoidada

  Alguém poderia dizer, logo de cara, que o filme “Maria Antonieta" é um nonsense histórico, afinal o figurino é exagerado para época perfazendo todo o arco-íris; os bailes da corte francesa, obviamente, não eram embalados por Strokes e The Cure; apenas a nobreza francesa é representada, onde estariam as outras classes sociais? E a crítica das críticas: não existiam tênis All Star. Ok, mas esqueceram que, se fossem as opções diferentes, ou seja, obedecendo supostas regras para um filme de época, o produto final seria ainda tão fictício quanto o "Maria Antonieta" da diretora Sofia Coppola. Então, o mérito dessa produção de 2005 reside no descaso, que trata aquilo que outros filmes que abordam temáticas históricas de época tanto se preocupam: a busca do como foi. Menos preocupado com um retrato histórico acurado, e sim em demonstrar a personalidade e as relações da personagem-título "Maria Antonieta", o filme termina por nos prestar um ótimo serviço para o estudo histórico. Ao centrar-se na vida de Antonieta dentro da corte francesa, percebemos o completo estado de alienação em que viviam tanto o casal real, quanto os nobres que os cercavam em Versalhes. O povo francês que não aparece no filme, a não ser em uma cena final de forma estilizada, passava por imensas privações e dificuldades, e, ao escolher não representá-los, a diretora está quase nos dizendo "vejam que Maria Antonieta e a nobreza da França estavam completamente alheios às necessidades desses franceses, que sustentavam a vida de fausto da corte".
   O filme segue, assim, a trajetória da última rainha francesa, desde sua saída da Áustria até o exílio forçado da família real, aguardando o julgamento pelos revolucionários franceses. Fica a forte impressão de que a vida de festas, jogos, compras e desinibição terminaram por selar o destino da monarquia francesa. Os gastos excessivos da rainha não eram nada se fossem comparados aos gastos com guerras (lembrando, também, o custo humano) que a França envolveu-se durante o século XVIII, inclusive, contrariando seu status de metrópole, chegou a apoiar a luta pela independência dos EUA. Dessa forma, o absolutismo francês, seguindo uma herança da centralização de Luís XIV, trilhou um caminho quase que irreversível de exploração social demasiada. Igreja e nobreza se apoderavam dos impostos do 3º Estado (camponeses, sansculottes e burgueses) e os usavam ao bel prazer. A rainha e a nobreza até puderam viver bons anos num ritmo de "curtindo a vida adoidado", mas o resultado final foi a Revolução e o triunfo do espirito iluminista. Portanto, vale a pena o filme para ver como "teria sido" essa curtição, regada a rock'n'roll, muita champagne e os famosos brioches da Antonieta.
    
 Kirsten Dust, no melhor estilo rainha cahorra.
O polêmico All Star.

terça-feira, 19 de junho de 2012

A Outra: um rei salafrário e o pecado original

Pintura retratando o rei salafrário.
  
    Sempre gosto de ressaltar que os filmes não tem obrigação alguma de agradar um profº de História ou os historiadores em geral. Afinal, essas obras são regidas pela arte e fazem parte de uma indústria onde a preocupação com o lucro é muito importante. Então, a análise de "A Outra" não é para apontar erros ou algo assim, e sim para procurar caminhos interessantes de se entender o filme e suas representações do episódio histórico do envolvimento do rei inglês Henrique VIII com as irmãs Bolena. Vamos começar pelo perfil do rei: logo de cara, percebe-se que possui o rei na barriga¹ e, apesar de seu casamento com Catarina de Aragão, princesa espanhola, ele age como o Lazaro Ramos na última novela das 20h. Assim, Henrique VIII usa e abusa das mulheres da corte inglesa. Sua principal insatisfação com a esposa é a falha em lhe conceder um herdeiro masculino que pudesse dar continuidade ao legado dos homens da família Tudor. Dessa forma, ele "afoga" as mágoas, na cama, com o mulheril inglês. Percebendo esse fato, o patriarca da família Bolena (família nobre, mas ainda buscando uma ascendência aos escalões mais próximos da monarquia) coloca em prática um plano muito simples: suas filhas devem agradar o monarca e conquistar sua influência absolutista em prol da família. O reinado de Henrique VIII é pleno na Inglaterra, tendo ele assumido a coroa de seu pai em 1509, mas a centralização dos Tudor acabaria por ganhar contornos mais concretos através da união da vontade carnal do rei com as necessidades político econômicas do reino.
    No filme, o plano dos Bolena prossegue com o encantamento do rei por Maria (Johansson); os dois tem um caso intenso e a prole ilegítima de Henrique VIII continua a aumentar, mas a ingenuidade de Maria não permite que ela alcance a influência sobre o rei, a qual havia sido planejada por seu pai. A irmã Ana (Portman) entra em ação nesse momento e, no melhor estilo femme fatale, Ana seduz o rei, tanto com promessas carnais como com a certeza de um herdeiro masculino para a coroa inglesa. O que ela pede em troca? Nada mais nada menos que a posição de rainha, o que inferia no divórcio do rei e Catarina de Aragão. "A Outra" trabalha exaustivamente a ideia de que Ana Bolena, apenas ela, teria manipulado Henrique VIII para conseguir dar forma aos seus planos. O filme acaba por aproximar o episódio histórico em questão da narrativa bíblica do pecado original, em que Eva convence Adão a provar do fruto proibido. Por girar em torno da relação do rei com as duas irmãs, é natural que o filme não desse atenção aos outros fatores que motivaram as ações de Henrique VIII, os quais o levaram a pedir o divórcio. Primeiro fator: era certo que Catarina não podia mais lhe dar herdeiros²; segundo: ao propor o divórcio para a Igreja Católica, estaria numa posição confortável frente a qualquer resposta, ou seja, sendo sim, o rei poderia exercer sua vontade pessoal e afirmar-se contra a monarquia espanhola da qual descendia Catarina de Aragão (a Espanha era concorrente direta dos ingleses na exploração colonial e na disputa por mercados na época de predominância das práticas mercantilistas na Europa), e sendo não, como foi o caso, o rei via-se livre em uma época de contestação reformista (vide Luteranismo e Calvinismo) para romper com o clero católico e dar início a sua própria Igreja. Dessa forma, surgia a Igreja Anglicana na Inglaterra. E mais: o rei tornava-se um monarca ainda mais poderoso, pois com o Ato de Supremacia (1534), agora ele, além de chefe de Estado, era também o encarregado da nova religião inglesa. As terras dos católicos foram tomadas em nome do rei e distribuídas entre aqueles que apoiavam as medidas de Henrique VIII e também vendidas para nobres e burgueses influentes do reino.
    As ações em curso afirmaram a centralização do poder dos Tudor, mas o caso entre Ana Bolena e o rei acabaria mal. Ela falhou em sua promessa de fornecer um herdeiro masculino e, rapidamente, caiu em desgraça com o rei. "A Outra", inclusive, dá margem às acusações que levaram à condenação e à morte de Ana e de seu irmão George, com o qual teria cometido incesto. O filme retrata uma possível ligação entre os irmãos, que servira de pretexto em soma a uma série de outras acusações de traição e bruxaria que o rei elencaria contra Ana, no intuito de casar novamente³. Dessa vez, ele casaria com a nobre Joana Seymour e, assim, finalmente iria adquirir sua prole masculina. Ana Bolena morre executada, assim como todos aqueles que contestaram as ações centralizadoras do rei. Foram muitos os que se opuseram ao rompimento com o catolicismo e ao excessivo poder político que ele ganhara com o Ato de Supremacia. Mas o destino dos opositores do rei fora a forca e a lâmina do machado. A prole de Ana, Elizabeth, desgraçada pelo destino da mãe, ainda viria a cumprir o destino de se tornar rainha e afirmar a religião Anglicana como a professão do Estado Absolutista inglês. É o que o filme demonstra, no seu final, e o relato histórico confirma.
¹ Não literalmente, pois a escolha do ator excluiu a fisionomia obesa do monarca e acabou por encontrar um par mais balanceado, no esbelto Eric Bana, para as irmãs Bolenas, interpretadas por Scarlett Johansson e Natalie Portman (dois pitélzinhos).
² A rainha Catarina ficou grávida pelo menos sete vezes (a última vez em 1518), mas só uma das crianças, a princesa Maria, sobreviveu à infância.
³ No total foram 6 os casamentos do rei salafrário.

As irmãs pitél em "A Outra".

  
   

terça-feira, 12 de junho de 2012

Renascimento: Fazendo a Cabeça do Europeu... ou Não...

   O Renascimento cultural, de origem citadina (em oposição a estagnação da vida rural), ajudou a propagar novos valores pela Itália e, posteriormente, por toda a Europa. Apesar de ser muito fácil simplificar o nosso estudo em caixinhas mágicas ou em tabelas que explicam "tudo" que acontecia na época do Renascimento, é mais interessante pensar que a obra dos renascentistas propagava uma série de novas correntes de pensamentos, ou seja, maneiras novas de encarar a realidade e o mundo que se apresentava para os europeus que se deparavam com o Absolutismo, Mercantilismo, Reforma Protestante, tudo aquilo que a História classifica como referências da Idade Moderna. No entanto, se pararmos para pensar, houve uma série de situações na contramão da mudança propagada pela cultura renascentista, basta fazer referência à Santa Inquisição. Logo, cabe inferir que, apesar de todo o esforço dos renascentistas em propagar mudanças na mentalidade européia da época, para muita gente, mas muita mesmo, as "coisas" permaneceram iguais, ou seja, a tradição manteve-se à frente da inovação. Assim, apresento aquela generalização (em forma de tabela... hehehe) que os historiadores podem fazer sobre como se deu um embate entre duas mentalidades: uma velha e tradicional e outra mais nova, mas que buscava inspiração num passado já um tanto distante de gregos e romanos. Alguns receberam bem a mudança, outros defenderam de forma ferrenha a tradição. Cada um no seu quadrado e nós com a História...

Mentalidade Medieval
Mentalidade Renascentista
Ideias ligadas ao domínio cultural da Igreja Católica da época.
Muitos intelectuais (filósofos, historiadores, cientistas, escritores, artistas) não fazem parte da Igreja. Podem até ser católicos, mas não são membros do clero. Sua obra está ligada à vida ativa e variada das cidades.
Apenas uns poucos padres e monges sabem ler e escrever livros, que são feitos à mão . A cultura não é escrita.
A invenção da imprensa (Gutenberg, 1454) torna os livros mais baratos e populares. Cresce o nº de pessoas alfabetizadas e se difunde a cultura escrita.
Teocentrismo: “Deus é o centro de tudo”. A vida cultural esta ligada ao cristianismo. As obras de arte e os livros mais importantes tratam de temas religiosos, o prédio mais destacado de uma cidade era igreja.
Antropocentrismo: “O ser humano no centro das atenções”. Valorização da vida terrena. Os palácios dos reis e dos nobres podem ser tão grandiosos quanto as igrejas. Além das cenas religiosas, os pinores retratam cenas de batalhas, de trabalho, objetos e pessoas.
A verdade deve ser encontrada nas tradições da sociedade medieval, no que estava dito na Bíblia, na auoridade da Igreja e dos autores antigos e consagrados (Aristóteles, São Tomás de Aquino, etc.).
A verdade sobre a natureza deve ser obtida por meio da experiência e da observação, guiadas pelo uso da razão.
O ser humano é visto com certo desprezo porque é um pecador. Por isso as pessoas devem aceitar resignadamente o sofrimento: merecemos sofrer porque somos pecadores.
O homem é a mais perfeita das criaturas de Deus (“feito à sua imagem e semelhança”), capza de fazer coisas maravilhosas: máquinas, prédios, viagens de descobertas, pinturas, estudos sobre a natureza...
A vida material é pouco importante. O que é precioso é a salvação da alma.
O renascentista continua cristão. Mas considera que a vida material terrena também é muito importante.
Tudo que acontece na natureza deve ser explicado pela vontade direta de Deus.
Os fenômenos da natureza devem ser explicados pela própria natureza.
As pessoas devem se contentar com o mundo tal como ele é porque foi Deus que o fez assim. A única grande mudança será o Apocalipse.
O homem pode e deve ser o criador, o aventureiro, o sonhador... Um homem múltiplo.
Devemos conhecer o mundo para admirar a obra de Deus e louvá-lo.
Conhecer a natureza para melhor domina-lá.
A natureza é fonte de pecado. Devemos ficar afastados dela para fugir das tentações.
O homem faz parte da natureza. Conhecer a natureza é também conhecer o próprio homem. Daí o gosto dos artistas e dos homens de ciência pelo corpo humano.
Visão de mundo baseada na filosofia escolástica, especialmente nas ideias do grego Aristóteles adaptadas ao cristianismo por Tomás de Aquino (Tomismo).
Estudos dos intelectuais humanistas. Criticam a filosofia escolástica e a cultura medieval. Admiração pela Antiguidade Clássica (Grécia & Roma).
A razão (capacidade humana de pensar) deve estar subordinada à fé.
Separação entre fé e razão. A fé deve prevalecer no sentimento religioso, mas a razão deve ter prioridade sobre a fé quando o assunto é o estudo da natureza.
(Fonte: SCHIMIDT, Mário. Nova História Crítica).

terça-feira, 5 de junho de 2012

Da Série: Tirinhas inteligentes (2)



Não tenho conta no twitter e por isso nem sei dizer como é viver nessa "prisão" de 140 caracteres. No entanto, não posso deixar de reconhecer a revolução que esse dispositivo internético causou na transmissão de informações e, logicamente, na imprensa. Então, no estilo chato de explicando a piada, percebemos que os personagens Frank & Ernest, da tirinha, questionam a limitação da récem criada imprensa. Excluída a interessante brincadeira com o twitter, apresento o responsável por essa incrível criação: Johannes Gutenberg, o qual nasceu, provavelmente, em 1397 e é considerado o pai do processo de impressão com tipos móveis, a tipografia. De uma família próspera, que trabalhava com o processo de cunhagem (fabricação de moedas), Gutenberg aprendeu cedo a trabalhar com metais, algo que adaptou para criar o processo de impressão com caracteres móveis. Para divulgar seu invento, ele criou a empresa Fábrica de Livros, que acabou por prenunciar as formas de impressão que seriam adotadas na Europa do Renascimento. As possibilidades criadas pela invenção da imprensa (1454) tornam essa invenção revolucionária. É só pensar como seria tua vida sem uma máquina de xerox, sem quaisquer impressões, sem o twitter (esse não entrará na minha vida)... e como era antes de Gutenberg. Eram umas poucas obras¹ retidas sob a tutela da Igreja Católica e pouco difundidas e o acesso ao conhecimento era quase nulo. Logo, os tipos móveis viriam para baratear os custos dos livros e vir a torná-los cada vez mais populares. A invenção/revolução de Gutenberg termina por difundir a cultura escrita (assim como o twitter divulga rapidamente todo tipo de informação) e assim atua de forma a aumentar o número de pessoas alfabetizadas e a dar o primeiro passo (mais para engatinhada) na universalização de informações.

¹ Apenas força de expressão, na comparação com as possibilidades de reprodução gráfica criadas por Gutenberg, afinal já haviam milhares (talvez milhões) de obras retidas nos mosteiros da Idade Média e espalhadas por bibliotecas particulares mundo afora. Ressalta-se, sobretudo, que a reprodução gráfica sairia do processo manual da pura e simples cópia e evoluíra para a manufatura de livros dotada da nova tecnologia.