segunda-feira, 20 de agosto de 2012

PROCURA-SE RACIONAIS & MARIGHELLA

   Há dez anos sem publicar novos discos, os Racionais MC's retornam em grande estilo com o clipe "Mil Faces de Um Homem Leal", homenageando o guerrilheiro tombado pela ditadura, Carlos Marighella (1911-1969). A música centra-se no episódio de 1969 em que a ALN (Ação Libertadora Nacional) invadiu a Radio Nacional para transmitir uma mensagem revolucionária. Tal ato seria mais um dos muitos realizados por Marighella em nome da liberdade e em favor do Brasil, os quais logo ganhariam a alcunha de "atos subversivos" ou "terroristas" por parte das autoridades. Procura-se foi a palavra mais comum de se achar em prelúdio ao nome de Marighella ao longo de sua vida. Preso ínumeras vezes por sua atividade ligada ao PCB (Partido Comunista Brasileiro), ao qual se afiliou ainda em 1932, o militante passou boa parte da sua juventude organizando a esquerda brasileira por de trás das grades. Contudo, foi apenas depois do fim do Estado Novo Varguista, em 1945, e com a Anistia, que o PCB foi à legalidade, conseguindo Marighella ser eleito como um dos deputados constituintes mais votados da esquerda. No entanto, já em 1948, os parlamentares comunistas teriam seus mandatos cassados, fazendo com que Marighella voltasse à clandestinidade. As turbulências políticas que o Brasil viveu a partir de então culminariam no Golpe Militar de 1964.
   No mesmo ano do golpe, Marighella foi localizado por agentes do DOPS (braço policial da Ditadura contra os movimentos sociais) num cinema do bairro da Tijuca, RJ. Lá, ele enfrentou os policiais que o cercavam através de socos e gritos de “Abaixo a ditadura” e “Viva a democracia”, recebendo um tiro, à queima-roupa, no peito. Descrevendo o episódio no livro “Por que resisti à prisão”, ele afirmaria: “Minha força vinha, mesmo, era da convicção política, da certeza (...) de que a liberdade não se defende senão resistindo”. Os militares soltariam-no 80 dias depois, após uma comoção nacional em torno do seu habeas-corpus, tendo sido verificada a violência usada em sua prisão. Livre, mas identificado como um dos principais alvos pelos militares, Marighella, crítico da linha moderada do PCB, rompe com o partido em 1967 e funda a ALN (Ação Libertadora Nacional), dando início à luta armada contra a Ditadura. Nesse período, ele escreve seu livro mais conhecido, "Manual da Guerrilha Urbana", projetando a sustentação da ALN através de ações armadas e reapropriações em nome da democracia. A resposta do Regime Militar ao crescimento da oposição, então, foi fechar o cerco sobre os revolucionários através do AI-5. O Ato Institucional nº5 deu poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente aqueles que fossem inimigos do regime ou como tal considerados. Assim, mesmo com um "grande alvo nas costas", Marighella continuou a lutar pelo fim da Ditadura, terminando, infelizmente, assassinado em emboscada (1969) pelos inimigos do povo brasileiro. Lembrado como um dos principais militantes da esquerda no Brasil, a memória de Carlos Marighella pode contar, agora, com mais essa homenagem.

Link para o YouTube de "Mil Faces de Um Homem Leal", clipe dos Racionais MC's: http://www.youtube.com/watch?v=ajrI1FldJ8E


       

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Beethoven e a Desilusão Napoleônica

   Ludwig Van Beethoven (1770-1827), compositor alemão, viveu sua juventude as vésperas da Era Napoleônica (1799-1815). Em Viena (Áustria) durante a Revolução Francesa, esse grande músico entrou em contato com o ideario iluminista. A vanguarda do pensamento iluminista, crítica do Antigo Regime e do iletrismo da sociedades européias, contagiou e inspirou a obra musical de Beethoven. Assim os ideais da Revolução Francesa romperam as fronteiras territorias e atingiram em cheio um dos grandes artistas da época. E não parou por aí, mesmo com fim da Revolução, com o Golpe do 18 Brumário e a ascensão da figura de Napoleão, a França pregava continuidade e extensão da Revolução.
   O expansionismo militar de Napoleão se ancorava nas propostas de libertação para os povos ainda submetidos ao absolutismo. Eram os gritos de Liberdade, Igualdade e Fraternidade que sustentavam a invasão das tropas napoleônicas de nações como Espanha e Portugal. Beethoven, assim como muitos outros, inicialmente acreditaram estar vendo na ação de Napoleão a força e o impeto iluministas agindo em favor da libertação dos povos. No entanto, trataria-se de uma grande desilusão, logo Napoleão teria coragem de se auto-coroar imperador da França e mais, entregaria o comando das coroas derrubadas por ele, aos seus familiares. Os territórios ocupados pela França, na Europa, perceberiam então, que apenas teriam trocados suas amarras absolutistas pelas napoleônicas, iniciando uma luta nacionalista de libertação. Desiludido Beethoven, que teria escrito sua Terceira Sinfonia em homenagem a Napoleão, era agora mais um a bradar contra exploração imposta pelos invasores franceses. O grande músico (mesmo que sofrendo de surdez) ainda viveria para ver as derrotas de Napoleão e avançar na composição de suas obras, cada vez mais ousadas e livres, portanto fora dos padrões acadêmicos convencionais de sua época.

Abaixo alguns links para YouTube interessantes:

Trecho da Nona Sinfonia, no filme "Minha Amada Imortal" (1994):

Outro trecho da Nona Sinfonia, no filme "O Segredo de Beethoven" (2006):

Livre interpretação da Nona Sinfonia, pela banda Deep Purple:

Beethoven inspirado.



Napoleão: Ta eaí não vai toca uma pra mim?

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Sombras de Goya: A Inquisição Espanhola e O "Furacão" Francês

   Em "Sombras de Goya", o ponto de vista do pintor espanhol Francisco Goya foi a escolha do diretor Milos Forman para contar a história da Espanha de finais do século XVIII e princípio do XIX. A escolha de tal personagem, como uma espécie de observador dos acontecimentos que varriam a Espanha da época, é perfeita, já que a obra de Goya retrata a Europa da Idade Moderna com grande expressão e envolvimento. A obra do pintor, que vai desde retratos e paisagens a comédias e cenas do cotidiano, também convergiu para as mudanças que afetavam a Espanha de sua época, passando para a representação de deuses, demônios, cenas mitológicas e até a sátira. Portanto, trata-se de um personagem rico a ser explorado como epicentro do enredo do filme, devidamente como aponta o título da película. Assim, acompanhamos Goya em suas relações com a realeza espanhola e até com membros da Inquisição. Com esta última, o pintor tinha uma relação dúbia, denunciando os abusos, por um lado, através de suas gravuras e, por outro, procurando ficar distante ao espectro inquisidor e suas possiveís sanções. O filme segue e, então, temos aquela reviravolta no enredo: a adolescente Inés Bilbatua, musa do pintor, é presa sob falsa acusação de heresia. Agora, Goya deve ponderar como agir, arriscando seu nome e seu trabalho para tentar ajudar Inés ou capitulando aos termos da Inquisição. Ele procura, então, o meio termo e tenta apelar à influência de um de seus clientes, Frei Lorenzo Casamares. O que Goya desconhecia era que Frei Lorenzo era um dos principais instigadores da Inquisição Espanhola, sendo aquele personagem que converge a identidade do pensamento dos clérigos espanhóis. Muito próximos da realeza e de suas decisões, os inquisidores exploravam os tribunais do Santo Ofício para extorquir vantagens políticas e econômicas na Espanha de finais do século XVIII. Denúncia, perseguição e tortura eram os modos de agir da Inquisição, seja com uma base fundada ou não, sendo esse último o caso de Inés Bilbatua.
   A musa de Goya, vivida por Natalie Portman - o eterno pitel, passa pelos processos da Inquisição, sendo primeiramente questionada e, ao negar as acusações, prossegue para a tortura. Frente à dor, ela admite as acusações infundadas de que seria judia e, então, é lançada aos porões da Inquisição, onde presa e desesperada é, ainda, estuprada por Frei Lorenzo - não, o diretor do filme não é o Almodovar (diretor espanhol conhecido por seus enredos trágicos). Logo, é exatamente  quem Goya clamava por ajuda, Frei Lorenzo, quem explora a condição fragilizada de Inés, ao mesmo tempo em que aceita doações generosas da família da garota em nome da Igreja. Goya tenta enterceder em nome de Inés e dos Bilbatua, mas apenas as riquezas da família Bilbatua são aceitas e Inés continua confinada, sob o pretexto de que confessou sua própria culpa. Ela não poderia ser solta, mesmo tendo confessado apenas devido à tortura. Ciente disso, o pai de Inés providencia para que, sob tortura, Frei Lorenzo admita por escrito que possui parentesco com os macacos, algo abominável na visão dos clérigos e da grande maioria da população na época. Acreditava a família Bilbatua que, dessa maneira, libertariam Inés, expondo como, através da tortura, qualquer um é capaz de ceder, até mesmo um homem do clero. Contudo, com tal ato, apenas conseguiriam excomungar Frei Lorenzo da Igreja espanhola, tornando-o um pária devido ao documento que assinou. Portanto, não foi Goya e muito menos Frei Lorenzo que libertaram Inés, mas sim o "furacão" francês, o qual invadira a Espanha quinze anos após esses acontecimentos.
   Emergiu, após a Revolução Francesa, uma liderança inconteste na França: a figura do mérito - comandante de tropas aos 25 anos de idade e imperador dez anos mais tarde - Napoleão Bonaparte, que ameaçou todas as monarquias da Europa ao assumir o comando da França e bradar os ideais de "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" para além das fronteiras francesas. Dessa forma, defendia seus interesses conquistadores sob o pretexto de difundir a Revolução Francesa para o resto do continente europeu. Assim, não foi diferente com a atrasada Espanha, a qual, uma vez invadida, se viu liberta do julgo da Inquisição, mas que estava, agora, acorrentada aos desejos do imperador francês. Nesse contexto, Inés encontra-se liberta, porém, atônita do isolamento, desconhece o que aconteceu e, até mesmo, o estado de guerra causado pela invasão francesa. Inés procura os vestígios de sua vida, sua família, Goya e, sobretudo, a filha que fora concebida na relação com Frei Lorenzo. Personagem que retorna triunfante à Espanha, Lorenzo é um homem reformado, forjado pelos ideais iluministas e da Revolução Francesa. Ele retorna à Espanha não mais como homem de fé e servo da Inquisição, mas sim como um filho da revolução e um encarregado de Napoleão de julgar os abomináveis atos da Inquisição Espanhola. Tah bom né?! Já falei demais sobre o filme. Agora, vê se tu assiste e descobre como isso termina...

 A família real espanhola.
Representação das execuções perpetuadas pelo exército francês na Espanha.
Visão de Goya dos julgamentos da Inquisição Espanhola. 
Auto-retrato do pintor.