Em "Sombras de Goya", o ponto de vista do pintor espanhol Francisco Goya foi a escolha do diretor Milos Forman para contar a história da Espanha de finais do século XVIII e princípio do XIX. A escolha de tal personagem, como uma espécie de observador dos acontecimentos que varriam a Espanha da época, é perfeita, já que a obra de Goya retrata a Europa da Idade Moderna com grande expressão e envolvimento. A obra do pintor, que vai desde retratos e paisagens a comédias e cenas do cotidiano, também convergiu para as mudanças que afetavam a Espanha de sua época, passando para a representação de deuses, demônios, cenas mitológicas e até a sátira. Portanto, trata-se de um personagem rico a ser explorado como epicentro do enredo do filme, devidamente como aponta o título da película. Assim, acompanhamos Goya em suas relações com a realeza espanhola e até com membros da Inquisição. Com esta última, o pintor tinha uma relação dúbia, denunciando os abusos, por um lado, através de suas gravuras e, por outro, procurando ficar distante ao espectro inquisidor e suas possiveís sanções. O filme segue e, então, temos aquela reviravolta no enredo: a adolescente Inés Bilbatua, musa do pintor, é presa sob falsa acusação de heresia. Agora, Goya deve ponderar como agir, arriscando seu nome e seu trabalho para tentar ajudar Inés ou capitulando aos termos da Inquisição. Ele procura, então, o meio termo e tenta apelar à influência de um de seus clientes, Frei Lorenzo Casamares. O que Goya desconhecia era que Frei Lorenzo era um dos principais instigadores da Inquisição Espanhola, sendo aquele personagem que converge a identidade do pensamento dos clérigos espanhóis. Muito próximos da realeza e de suas decisões, os inquisidores exploravam os tribunais do Santo Ofício para extorquir vantagens políticas e econômicas na Espanha de finais do século XVIII. Denúncia, perseguição e tortura eram os modos de agir da Inquisição, seja com uma base fundada ou não, sendo esse último o caso de Inés Bilbatua.
A musa de Goya, vivida por Natalie Portman - o eterno pitel, passa pelos processos da Inquisição, sendo primeiramente questionada e, ao negar as acusações, prossegue para a tortura. Frente à dor, ela admite as acusações infundadas de que seria judia e, então, é lançada aos porões da Inquisição, onde presa e desesperada é, ainda, estuprada por Frei Lorenzo - não, o diretor do filme não é o Almodovar (diretor espanhol conhecido por seus enredos trágicos). Logo, é exatamente quem Goya clamava por ajuda, Frei Lorenzo, quem explora a condição fragilizada de Inés, ao mesmo tempo em que aceita doações generosas da família da garota em nome da Igreja. Goya tenta enterceder em nome de Inés e dos Bilbatua, mas apenas as riquezas da família Bilbatua são aceitas e Inés continua confinada, sob o pretexto de que confessou sua própria culpa. Ela não poderia ser solta, mesmo tendo confessado apenas devido à tortura. Ciente disso, o pai de Inés providencia para que, sob tortura, Frei Lorenzo admita por escrito que possui parentesco com os macacos, algo abominável na visão dos clérigos e da grande maioria da população na época. Acreditava a família Bilbatua que, dessa maneira, libertariam Inés, expondo como, através da tortura, qualquer um é capaz de ceder, até mesmo um homem do clero. Contudo, com tal ato, apenas conseguiriam excomungar Frei Lorenzo da Igreja espanhola, tornando-o um pária devido ao documento que assinou. Portanto, não foi Goya e muito menos Frei Lorenzo que libertaram Inés, mas sim o "furacão" francês, o qual invadira a Espanha quinze anos após esses acontecimentos.
Emergiu, após a Revolução Francesa, uma liderança inconteste na França: a figura do mérito - comandante de tropas aos 25 anos de idade e imperador dez anos mais tarde - Napoleão Bonaparte, que ameaçou todas as monarquias da Europa ao assumir o comando da França e bradar os ideais de "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" para além das fronteiras francesas. Dessa forma, defendia seus interesses conquistadores sob o pretexto de difundir a Revolução Francesa para o resto do continente europeu. Assim, não foi diferente com a atrasada Espanha, a qual, uma vez invadida, se viu liberta do julgo da Inquisição, mas que estava, agora, acorrentada aos desejos do imperador francês. Nesse contexto, Inés encontra-se liberta, porém, atônita do isolamento, desconhece o que aconteceu e, até mesmo, o estado de guerra causado pela invasão francesa. Inés procura os vestígios de sua vida, sua família, Goya e, sobretudo, a filha que fora concebida na relação com Frei Lorenzo. Personagem que retorna triunfante à Espanha, Lorenzo é um homem reformado, forjado pelos ideais iluministas e da Revolução Francesa. Ele retorna à Espanha não mais como homem de fé e servo da Inquisição, mas sim como um filho da revolução e um encarregado de Napoleão de julgar os abomináveis atos da Inquisição Espanhola. Tah bom né?! Já falei demais sobre o filme. Agora, vê se tu assiste e descobre como isso termina...
A família real espanhola.
Representação das execuções perpetuadas pelo exército francês na Espanha.
Visão de Goya dos julgamentos da Inquisição Espanhola.
Auto-retrato do pintor.
Muuito boa sua análise do filme, porém esperava a conclusão e vc deixou uma incógnita no final, mas parabéns :)
ResponderExcluirMuuito boa sua análise do filme, porém esperava a conclusão e vc deixou uma incógnita no final, mas parabéns :)
ResponderExcluirO filme e' realmente bom. De tal forma que o vi 2 vezes!
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