R. Scott e Russel Crowe em foto no set de filmagens de Robin Hood.
O diretor inglês Ridley Scott, mais conhecido por alguns de seus trabalhos com ficção cientifica, como os filmes "Alien - O 8º Passageiro" e "Blade Runner - O Caçador de Andróides", recentemente vem demonstrando uma paixão pela narrativa de fundo histórico. Paixão essa quase sem igual entre os diretores considerados hollywoodianos. Dessa forma evoco a pessoa e obra do diretor para falar de 4 filmes de sua autoria, que ajudam a explicar desde a decadência do Império Romano, passando por toda a Idade Média até o germe de organização dos Estados Nacionais europeus.
Já de cara explico que R. Scott, quando rodou os filmes, não tinha nenhuma intenção de linearidade ou contar uma História em caráter cronológico, mas que analisando seu trabalho, por um motivo ou por outro, isso acabou acontecendo. Acredito eu, que esse motivo, seja uma transparente paixão por História por parte do diretor. Lembro também que tratam-se de filmes de ficção, mas dotados de ampla pesquisa para a construção das suas representações. Então dito isso vamos aos filmes e um rápido comentário sobre cada um, afinal a ideia desse post é motivar que vocês assistam esses filmes e possam apreender ao mesmo tempo em que se divertem, vide pipoquinha, cobertor de orelha, etc...
"Gladiador" (2000): Um filme extremamente laureado pela academia do Oscar e muito conhecido dos cinéfilos. Preste atenção, no filme, no ponto de rompimento entre Alto e Baixo Império. Pois a trama, se desenvolve após o assassinato do último Imperador do Alto Império Romano, Marcos Aurélio, morto por seu filho Comodus. Trata-se assim de um grande exemplo das disputas pelo trono romano, tanto familiares/dinásticas quanto dos patrícios que apoiavam ou desafiam a concentração de poderes na mão deste ou do próximo imperador (característica importante do Baixo Império). Assim como mostra o filme, havia quase que um leilão do trono, resolvido com jogo de interesses políticos ou através da faceta militar. Ainda, “Gladiador”, obviamente denota atenção ao "Pão & Circo" romanos. Uma estratégia de controle social usada desde tempos da República, mas que ganhou proporções enormes durante o Império com a construção do Coliseu (principal arena dos jogos entre gladiadores). São esses jogos, oferecidos pelos patrícios e que tiravam atenção do povo/plebe dos seus problemas reais, o cerne do filme.
"Tristão e Isolda" (2006): Filme inspirado no romance mítico entre os dois personagens do título. De origem medieval, a lenda foi contada e recontada em muitas diferentes versões ao longo dos séculos até chegar as telas. A dica aqui é assistir ao filme acompanhado, já que é um romance, mas senão der, não tem problema. Aí tu prestas bastante atenção não na relação do casal, mas na relação de dependência pessoal, estabelecida no juramento de fidelidade do cavaleiro Tristão, um vassalo, para com seu rei Marcos, senhor do feudo da Cornualha. Tristão apesar de desesperadamente apaixonado por Isolda, esposa de Marcos, sente-se traindo seu rei e principalmente o laço senhor-vassalo. Tal laço baseado na tradição medieval era regido por uma série de obrigações do cavaleiro para com seu senhor em troca de terras, obrigações que incluíam não comer a mulher do rei... Fica ligado também como, no filme, aparecem constantes conflitos entre os diferentes reinos (regidos por diferentes senhores), demonstrando a principal faceta da Alta Idade Média que é a descentralização política (muitos feudos e reis, mas estes últimos com apenas poder local).
"Cruzada" (2005): Talvez dos 4
filmes o mais marcado em um acontecimento histórico, o evento das Cruzadas da
Baixa Idade Média, expedições motivadas pela fé católica, que tinham como
objetivo retomar o controle cristão sobre Jerusalém - a Terra Sagrada. O filme
é um tanto maniqueísta, marcado por personagens bem definidos entre bem e mal,
girando em torno do herói Balin (por isso o maniqueísmo essa coisa de herói
quase não existe em História...), um cavaleiro, que após o chamado de seu pai
migra em direção à Jerusalém visando defender os interesses cristãos e também
de sua linhagem nobre. A dica aqui é se blindar do propenso heroísmo de Balin,
já que é difícil de acreditar que existia um cavaleiro desses lutando nas
Cruzadas. Então, vacinados podemos ver que o diretor R. Scott também se
preocupou em mostrar o conflito, entre cristãos e mouros, como um jogo de
interesses com vitórias e derrotas para os dois lados. Ajudando a demonstrar
com o filme, que apesar da fachada religiosa das expedições dos cruzados, elas
revelavam uma Europa invasora, em enfrentamento com o mundo Árabe-Mulçumano.
Tratava-se assim de uma relocação, para fora da Europa, das rivalidades
feudais. Tais disputas feudais entre reinos cristãos (evidentes no filme) eram deixadas
em segundo plano em favor da ideologia cristianizadora das Cruzadas, assim como
tu deve deixar em segundo plano o heroísmo de Balin.
“Robin Hood” (2010): Mais uma vez R. Scott volta a narrativa mítica. Mas dessa vez retratando as origens do bandido social Robin Hood. Afinal seu lema era “tirar dos ricos para dar aos pobres”, algo que representava a faceta de contestação social desse personagem lendário – herói, mesmo que mítico, do nacionalismo inglês. O filme é ambientado no período da Baixa Idade Média, em meio à crise geral do feudalismo. Tal crise era caracterizada pela Peste Negra[1], pela Grande Fome[2] e também pelas influências negativas das derrotas dos soldados cruzados. Precisamente, no filme, essa situação esta subentendida, uma vez que encontramos a evolução do personagem Robin em meio a uma situação de extrema exploração da mão de obra camponesa. A trama retrata o herói, de origem humilde, se envolvendo por força do destino em disputas de poder dos barões ingleses. Tais disputas eram resultado do fracasso da cruzada promovida pelo rei inglês[3] Ricardo Coração de Leão. Seu sucessor, Príncipe John, encontrando uma coroa endividada e envolvida em disputas com o reino da França (diplomáticas e militares), não encontrou outra saída senão aumentar os impostos sobre seus nobres/vassalos. O mérito do filme para ajudar na perspectiva da História se encontra aí, quando retrata essa cobrança excessiva recaindo sobre a maioria explorada camponesa à serviço dos vassalos. Sob pressão os camponeses organizaram revoltas, essas não aparecem no filme (fica um clima de continuação), mas só a aparição do mito de Robin Hood, já explica esse conflito social dos fins da Idade Média.
[1] Doença
epidêmica que se alastrava devido às péssimas condições sanitárias do período.
[2] Uma vez que muitos
camponeses eram obrigados ou simplesmente aderiam as Cruzadas, faltavam
trabalhadores no campo, algo que se agravou mais ainda com as epidemias do
século (XIV) gerando escassez de alimentos.
[3]
O reino da Inglaterra já existia nesse ponto, mas faltava ainda o elemento
centralizador do Absolutismo para que se estruturasse em um Estado Nacional
unificado.
Bacana, professor! Agora, destes filmes citados, todos os personagens são realmente criados para o filme ou algum deste realmente existiu? Por exemplo, Robin Hood ficou claro que aproveitara-se de uma lenda do herói, mas quanto aos outros, Maximus, Balin etc? Outro "secundário" que gostaria de saber é o Comodus, visto que é filho de Marcos Aurélio, um importante personagem histórico.
ResponderExcluirAbraços.
Robin e Tristão são personagens lendários. Quanto aos outros... Balin é apenas um nome retirado de um cavaleiro cruzado, mas tudo em relação a sua pessoa no filme é fictício. Maximus é apenas inspirado na figura de generais romanos. Exatamente aqueles que contestavam a autoridade imperial! Já Comodus realmente foi Imperador romano e até mesmo assassinado, mas não como acontece na trama do filme. Esclarecido?
ResponderExcluirEsclarecido! O "negócio" é plano de fundo. :)
ResponderExcluirAgora, onde - ou quando - o rei Artur faz relação com Roma? Ele também é personagem lendário, certo? E é por isso mesmo que ficamos com imagem mais mítica. Mas aí temos aquele filme, com o Clive Owen, fazendo relação à Roma. Eu também li "As Brumas de Avalon", uma outra versão para Artur, sendo que narra assuntos mais relacionados, principalmente, com a religião. Neste caso, eles saindo do paganismo para o cristianismo. Ou seja, existem passagens de alguém como Artur ou mesmo a história em si entre Britânia e Roma da forma que o filme trata?
Heehehehehe! Esse riso é de felicidade viu. Arthur assim como Robin é um personagem lendário, no sentido, de mesclar fatos verdadeiros com pura imprecisão histórica e atribuição de heroísmo. Acontece que esses personagens foram se desenvolvendo através da narrativa mítica, tanto para o agrado da literatura, quanto para o desenvolvimento da questão nacionalista inglesa (sempre é bom ter heróis nacionais). A História propriamente dita foi ficando cada vez mais invisível e os caminhos supostamentes certos para uma pesquisa com precoupação histórica foram desaparecendo já muito cedo... Como consequência temos as lendas apenas com um tratamento que busca alguma interpretação histórica. Já sobre o filme Arthur ele pode render outro post sozinho, mas te digo é uma livre adaptação que achei muito inteligente. Relacionar a lenda de Arthur a cristinianização e até "romanização" dos bárbaros Anglo Saxões em meio a decadência do Baixo Império Romano é obra de um bom roterista.
ResponderExcluirAaaahhhh! Saciou aqui a dúvida, rs. Sei que não é o post próprio, mas aproveitando: não sei se tu conheces o livro de "O Egipcio, de Mika Waltari", pois penso ser uma boa dica de Romance sobre o Egito. Vou confessar que não consegui lê-lo completo, porque tive que transferir a leitura para outras coisas, porém, até onde li gostei bastante. Tem várias cenas justamente do que tivemos em aula, como aquela tentativa de derrubar o deus Amon e colocar o Aton como principal, se não me engano. Aliás, tem um filme, de 1954, parece.
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